Deriva securitária<br>e o fim de Schengen
A última sessão plenária foi pródiga na aprovação de textos, substantivos no conteúdo e no alcance, que consolidam o caminho de aprofundamento do processo de integração capitalista europeu.
Desde a aprovação do CETA – mega tratado de livre comércio entre a UE e o Canadá que trará graves prejuízos para países como Portugal –, à aprovação do pacote sobre o «Futuro da União», que desenha uma inaceitável fuga em frente perante a profunda crise na e da EU, passando pelo pacote do «Semestre Europeu» – defendendo o aprofundamento da governação económica, do mercado único, do branqueamento social deste instrumento, apertando ainda mais o garrote aos estados-membro – ou ainda a Estratégia de Aviação para a Europa, um instrumento ao serviço das grandes multinacionais para a criação de um oligopólio que espolia os estados deste sector estratégico. Todos eles, foram aprovados, sem surpresa, por PS, PSD e CDS, cunhando ainda mais o rumo de perda de soberania de Portugal e de submissão e constrangimento à UE, tratados e políticas.
Dois outros documentos foram aprovados, que merecem destaque por se tratarem de textos legislativos.
A implosão de Schengen
Temo-lo afirmado: a livre circulação de pessoas, um dos primados do mercado único, nunca o chegou a ser. Com a aprovação do relatório «reforço dos controlos nas fronteiras externas por confronto com as bases de dados pertinentes» podemos afirmar que se esse objectivo alguma vez existiu, acabou de implodir. A alteração legislativa ao Código Schengen, a pretexto do alegado e instrumentalizado «combate ao terrorismo», introduz controlos sistemáticos obrigatórios e confrontação com as bases de dados relevantes, nomeadamente do Sistema de Informação de Schengen – que se pretende seja reforçado – e da Interpol, de todos os cruzamentos das fronteiras externas, por terra, mar ou ar, de toda e qualquer pessoa que entre ou saia, sejam cidadãos de países terceiros, cidadãos de estados-membro da UE ou de pessoas que gozem do direito de livre circulação dentro do espaço Schengen. Controlos que incluem a verificação e recolha de dados biométricos, num articulado que exige aos EM que transitem os seus sistemas de identificação para documentos digitais de leitura óptica por um lado, e que assegurem a instalação do equipamento necessário para proceder a estas verificações, garantindo a necessária formação ao pessoal, por outro. Está bom de ver, também, que interesses económicos se movem por detrás destas estratégias, quando a sua implementação representará custos substantivos para os EM. À excepção de dois deputados do PS que votaram contra, os deputados de PS, PSD e CDS votaram favoravelmente esta proposta.
«Luta» contra o «terrorismo»
O argumentário não é novo. É necessário «responder» aos atentados em solo europeu e «dar combate» aos chamados «combatentes estrangeiros». Do terrorismo e destes ditos combatentes, das suas origens e causas, nem uma palavra de enquadramento e de responsabilização da UE no fenómeno. A proposta legislativa visa a criminalização de «actividades relacionadas com práticas terroristas». A ausência de uma definição de «terrorismo», e o âmbito lato e pouco enquadrado com que as medidas e pessoas jurídicas susceptíveis de serem acusadas são propostas, levarão à generalização da criminalização por «práticas ligadas ao terrorismo», com questionável causalidade. A simples prática de visitar um website, ou de viajar para determinadas regiões poderá constituir base legal para detenção e criminalização. Os EM passarão a dispor de livre arbítrio para o encerramento de websites, sem necessidade de autorização judicial. Num momento em que as instituições da UE tanto falam da pretensa «radicalização», contribuem para esticar a corda da marginalização e exclusão, acirrando estigmas e sentimentos de repulsa de parte a parte. Todos os deputados de PS, PSD e CDS votaram, lamentavelmente, a favor do relatório.
Duas perigosas iniciativas legislativas que prosseguem a deriva securitária da UE, consolidando uma Europa Fortaleza que faz tábua rasa dos mais basilares direitos e liberdades, impondo o controlo, o registo, a criação de perfis, a censura.